O que radiologistas precisam saber sobre: Hemorragia Subpial em Neonatos
Em artigo de revisão recentemente publicado no American Journal of Roentgenology (AJR 2021; 216:1056–1065) um grupo de pesquisadores revisita uma entidade ainda pouco compreendida e reconhecida pela comunidade radiológica: a hemorragia subpial, particularmente na população neonatal, na qual ocorre com maior frequência.
O progresso nos métodos de imagem, com destaque para a RM, permitiu não apenas uma melhor detecção desse subtipo de hemorragia intracraniana – separando-a mais claramente da hemorragia subaracnoide, mas também ajudou a caracterizar melhor o dano cortical que usualmente a acompanha.
Os autores procuraram revisar, a partir de fundamentos lançados por artigos seminais de anatomopatologia, os aspectos anatômicos, fisiopatológicos e de neuroimagem que caracterizam essa lesão peculiar.
Inicialmente, o leitor é esclarecido acerca das relações anatômicas existentes entre as camadas meníngeas e os vasos regionais, dirigindo-lhe a atenção para o espaço subpial, um compartimento potencial entre a pia máter e a camada cortical mais externa (glia limitans), preenchido por colágeno, com o qual os ramos venosos subpiais mantêm contato direto. Hemorragias nesse espaço têm um potencial de comprometer a integridade da interface entre a pia máter e a glia limitans , ensejando alterações citoarquiteturais que podem culminar em disfunção cortical com consequências clinicamente relevantes.
Alguns dos fatores de risco propostos pela literatura incluem: asfixia neonatal, trauma relacionado ao parto, distúrbios de coagulação, variações da pressão intracraniana, compressão de seios venosos etc. O que se acredita é que o insulto primário compromete a integridade da glia limitans ou da glia radial, levando a ruptura de pequenos vasos regionais, com acúmulo sanguíneo no espaço subpial. A consequência presumida dessa coleção hemática contida em um espaço fechado é um estado de limitação à drenagem venosa, que levaria a um infarto cortical/subcortical, um marcador característico desse tipo de lesão.
A hemorragia subpial aparece em exames de imagem como coleção hemática bem delimitada junto à superfície do córtex, o qual se mostra quase sempre rechaçado profundamente. Embora a ultrassonografia e a tomografia computadorizada possam apontar para essa possibilidade diagnóstica, o maior grau de detalhe anatômico habitualmente oferecido pela ressonância magnética permite maior acurácia na avaliação do padrão morfológico típico dessa hemorragia.
Dentre as características de ressonância magnética mais singulares, destaca-se o dano citotóxico cortical e subcortical observado nas sequências de difusão, provavelmente ligado ao efeito compressivo sobre a drenagem venosa nesses sítios. Mais raramente, pode haver envolvimento da substância branca profunda. A avaliação de sequências de susceptibilidade magnética deve ser feita sempre em conjunto com sequências T2 anatômicas, pois o artefato de blooming gerado pelos produtos de degradação da hemoglobina pode obscurecer a interface entre o córtex e a pia-máter, dificultando a identificação exata do local da hemorragia (intraparenquimatoso versus subpial).
Nos estágios tardios das lesões, o hematoma tende a ser reabsorvido, deixando cavidades císticas subpiais, que podem comunicar diretamente com áreas de encefalomalácia e até mesmo com o sistema ventricular.
Ainda, os autores discutem que, no que tange às etiologias, a hemorragia subpial pode ter várias, ocorrendo em diferentes cenários clínicos, pelo que não se pode considerá-la uma lesão patognomônica, por exemplo, do trauma craniano abusivo. Quanto à evolução dos pacientes, embora os dados sejam escassos, a expectativa é de um prognóstico funcional ruim, em função do dano cortical associado.
Por fim, enfatiza-se a importância do reconhecimento pelo radiologista do padrão típico de apresentação da hemorragia subpial, sobretudo nos exames de ressonância magnética, a fim de que, através de uma maior precisão diagnóstica, seja possível uma estratificação adequada dos pacientes, permitindo não só uma estimativa do prognóstico, mas também futuras pesquisas, que venham a definir melhor o perfil clínico e os desfechos a longo prazo de pacientes que sofrem esse tipo de insulto.
Autor:
Dr. André Façanha Barreto
Médico Radiologista – HGF
Revisor:
Dr. Francisco Abaeté Chagas Neto
Médico Radiologista – HGF